O Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha nasceu em 1992 em um encontro de mulheres negras em Santo Domingos, na República Dominicana. Elas definiram a data e criaram uma rede para pressionar a Organização das Nações Unidas (ONU) a assumir a luta contra as opressões de raça e gênero.
Este mês, além de ser o mês da criação da nossa Geosmart, vamos inundar nossos posts sobre contribuições históricas das mulheres negras para as tecnologias e ciências.
Há um ano atrás surgia o Projecto GeoSmart, e naquele momento achamos que não faria sentido abrir uma empresa cuja a CEO é uma mulher, sem exaltar outras mulheres em diversas áreas.
De acordo a investigadora Maria Helena Santos, do Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL), CIS-IUL
A sub-representação das mulheres na política é um fenómeno universal como poucos. Perante a consciência desta desigualdade injusta, mais de uma centena de países, de diferentes partes do mundo, adotaram uma postura mais proativa nas últimas décadas, recorrendo a várias medidas de ação positiva, com o intuito de solucionar este problema social de uma forma mais rápida e eficaz.
Nesta fase, podemos já afirmar que medidas como as “quotas voluntárias dos partidos” e a “Lei da Paridade”, adotadas por 23 dos 28 países da União Europeia, inclusive por Portugal (Lei Orgânica nº 3/2006, de 21 de agosto, implementada no ciclo eleitoral de 2009 e já várias vezes documentada), constituíram um grande passo relativamente à promoção da igualdade de género na política, tendo, sem dúvida, contribuído para aumentar o número de mulheres neste contexto.
Apesar disso, a política continua a ser estruturada pela divisão sexual do trabalho e a “feminização” ainda não é acompanhada por uma verdadeira partilha do poder entre os homens e as mulheres políticos/as. Tal significa que, na política, as mulheres continuam a ser uma minoria, não só por serem menos numerosas do que os homens no contexto, mas, e sobretudo, porque eles continuam a dominá-lo e elas continuam a ter de lutar para legitimar o seu lugar. Dito de outra forma, as medidas foram, sem dúvida, benéficas, no que concerne à representação descritiva das mulheres na política, mas ainda é cedo para gerarem mudanças em termos da sua representação mais substantiva no contexto do poder e da tomada de decisão.
De facto, os dados internacionais mostram que esta realidade, claramente discriminatória, tem vindo a mudar nos vários continentes, muito graças a medidas deste tipo, registando-se já um aumento do número de mulheres em posições de liderança nas instituições políticas legislativas e executivas em diversos países do mundo, situados em África, na América Latina e na Europa. Fonte: https://www.cig.gov.pt/2017/09/a-participacao-das-mulheres-na-politica-um-olhar-especial-no-poder-local/
Mas isto ainda não é suficiente, acreditamos que ações que busquem mudar este quadro têm de também partir de cada um de nós da forma que pudermos.
Vamos conferir o Espaço especial que separamos para conhecermos um pouco do que pensa e da trajetória da nossa entrevistada de hoje.
Como é citada em artigos científicos e como prefere ser chamada(tratada)?
Citada como Dutra. Caroline Dutra.
Qual(is) o(s) principal(is) projetos da sua trajetória profissional ou académica (ou pessoal) que gostaria de lembrar(poderia descrevê-lo ou partilhar arquivos) ?
Sou graduada em Geologia (2010) e Mestre em Ciências (2013) pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).
MInha carreira profissional foi desenvolvida na área de geologia de
engenharia e ambiental, e desde 2010, tenho atuado principalmente na
avaliação da estabilidade de taludes, mapeamentos geotécnicos e de risco
geológico, em escalas de detalhe e semidetalhe.
Realizei também, o acompanhamento de sondagens geotécnicas, e análises ambientais voltadas à identificação, monitoramento e gerenciamento de áreas contaminadas por hidrocarbonetos.
Além disso, trabalhei na Defesa Civil de Petrópolis,
onde foi Diretora Técnica e Operacional, realizando atividades
relacionadas à estabilidade de taludes, em localidades de risco
geológico constatado, monitoramento e alerta de desastres, tendo
participado do curso de Gestão Integrada de Riscos em Desastres Naturais
(GIDES/JICA), realizado durante 01 mês no Japão, onde aprendi uma nova
metodologia voltada para a redução de risco de desastres no Brasil.
Minha experiência acadêmica é voltada a Geologia Econômica, com estudos
voltados à exploração de metais base, manganês, vanádio,
columbita-tantalita, grafita e ouro, contribuindo cientificamente para
exploração mineral em terrenos de alto grau metamórfico.
Atuei como
Professora Substituta na Faculdade de Geologia da UERJ (2019/2020),
ministrando as disciplinas de Geofísica Aplicada e Geologia Econômica.
Atualmente, curso o Doutorado no Programa de Pós-Graduação em
Geociências (UERJ), com enfoque na Geofísica aplicada a exploração
mineral e metalogênese, através da linha de pesquisa em controle
Tectônico de Depósitos Minerais e sua Inserção no Contexto Geológico
Regional.
Sou também cofundadora do Grupo de Geociências Yangì, e faz
parte da Diretoria da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG), da
Associação Brasileira de Geologia de Engenharia e Ambiental (ABGE),
ambas Núcleo RJ-ES, e da Associação Brasileira de Mulheres na
Geociências do Núcleo Rio de Janeiro (ABMGEO-RJ).
Tenho também uma empresa de Consultoria Geológica "GEODutra", que presta
serviços de investigações geoambientais de áreas contaminadas por
hidrocarbonetos, análises geológico-geotécnicas de risco em encostas e
taludes, e interpretação de dados aerogeofísicos voltados à exploração
mineral.
Sabemos
que neste momento Integra a ABMGEO - RJ. Poderia falar sobre esta
situação e quais foram as suas motivações para fazer parte deste
Projeto?
Hoje tenho uma consciência política bem diferente da época que me
formei. Pouco se falava de representatividade e política na Geologia, e
me sentia um pouco reprimida à falas de posicionamento. Aos poucos fui
me incomodando com esse cenário, e fui sendo "convocada" a me expressar e
me posicionar. E isso, em parte, se devia ao fato de não me enxergar
nesses ambientes, pois era uma das poucas pessoas negras na área.
Comecei a enxergar isso melhor, quando integrei a primeira chapa eleita
da ABMGEO-RJ (2019/2020), onde aprendi muito sobre as questões políticas
e feministas, e principalmente, comecei a ver "as cordas do sistema".
Integro atualmente a chapa eleita "Diversidade e Resistência", como
diretora presidente do núcleo Rio de Janeiro, onde a diversidade remete a
pluralidade das mulheres geocientistas e a resistência se refere a
representatividade de pessoas negras, indígenas, afro-indígenas,
lgbtquia+, entre outros grupos minoritários nas Geociências.
A falta de representatividade nos espaços científicos e profissionais das Geociências, é algo sintomático da estrutura sistêmica ao qual estamos amarradas.
É difícil mudar de uma hora para outra, mas acredito
que fazendo a minha parte, posso mover uma grãozinho de areia por dia, e
isso já é resultado.
Sou muito inspirada por esse projeto, porque vejo verdade nas pessoas
que participam, e que querem fazer o melhor para compartilhar
informações, visibilizar as diversas lutas das mulheres, além de
fortalecer movimentos e apoiar mudanças culturais e estruturais, que
estão ajudando nessa revolução dentro da Geociências.
Ser esse lugar na ABMGEO hoje é ser representativa, é ser inspiração para as outras que virão, assim como muitas outras foram para mim.
Existem mulheres que te inspiram? Quais?
As mulheres que me inspiraram a vida inteira estão na minha família
(Minha mãe, minhas tias e avós). A persistência e resiliência vieram de
dentro da minha casa. Reconheço minha história e a de meus antepassados,
e isso me inspira muito.
Me inspiro em amigas (mães, profissionais, geocientistas) também, deixo
um pouco e de mim e carrego um tanto delas. Acredito que essa troca é
que faz a gente crescer.
Sabemos
que ABMGEO - Associação Brasileira de Mulheres nas Geociências tem como
principal objetivo fortalecer a união e atuação dessas profissionais em
empresas, universidades e órgãos governamentais. Poderia falar de
ações concretas nestes sentido?
Em resumo, a ABMGeo é uma entidade feminista voltada às Geociências, que
atua na visibilidade das geocientistas, colhendo as demandas, e
apoiando as pautas e lutas em meios científicos e profissionais. Como
núcleo Rio de Janeiro, estamos atentas às demandas das associadas.
Assim
que começamos esta gestão, fizemos uma pesquisa para elencar as
prioridades de assistência á elas.
Em suma, o resultado incluiu a
capacitação profissional, e a promoção de discussões de recorte racial,
demandas profissionais e da maternidade, além de conversas com
profissionais de diferentes áreas.
De lá pra cá, realizamos um minicurso sobre Escrita Científica (Um
sucesso!), e temos uma programação de diálogos até o fim do ano,
contemplando diferentes pautas.
Até o momento, realizamos dois diálogos,
um sobre a "A normalização da maternidade real nos espaços acadêmicos e
profissionais" e um outro sobre "O crescimento de movimentos
político-sociais dentro das Geociências".
Além disso, também produzimos um boletim quadrimestral, onde traz um
compilado do que foi produzido em 4 meses, e convidamos geocientistas
para produzir um versão reduzida do seu artigo científico.
O volume também contêm um artigo social, e um quadro com a programação e divulgação de eventos diversos.
O
Brasil está no topo do ranking de publicações de artigos científicos
entre os países ibero-americanos, com 53,3 mil de textos divulgados
entre 2014 e 2017.
Sendo que cerca de mais de 70% da produção científica
nacional é feminina.
O dado, levantado pela Organização dos estados
Ibero-americanos (OEI), coloca o Brasil na liderança entre países da
América Latina com maior número de artigos assinados por mulheres.
Entretanto, de acordo com o estudo Estatísticas de gênero: indicadores sociais das mulheres no Brasil, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento habitual médio mensal delas é 75% do que ganham os homens. Os números tendem a ser ainda mais díspares quando é feito o recorte de classe e raça. Na sua opinião, quais fatores contribuem para esta situação?
Como falei anteriormente, a falta de representatividade de negros na
Geociências é algo sintomático, e é um reflexo da estrutura ao qual
estamos submetidos, que remonta a escravidão e genocídio dos povos negro
e indígena.
É visível que, negros e indígenas são minorias como alunos em
universidades e como professores universitários, são minorias também,
em cargos de gerência, em concursos públicos, e por aí vai.
O racismo no Brasil é uma questão estrutural, e enquanto existir o privilégio branco, haverá o racismo. Em decorrência disso, não é de se espantar que a conclusão seja a baixa produção científica dessas grupos.
Acha
que é possível envolver mais mulheres em associações como a ABMGEO?
Acha que se houver mais organizações como a que está vinculada, disparidades de gênero e raça podem ser superadas?
Acredito que a união faz a força. Quanto mais cedo as mulheres
entenderem isso, melhor!
E o recorte de raça é primordial para promover EQUIDADE nos espaços das
Geociências. Muitos movimentos (coletivos) têm surgido no âmbito de
reverberar as pautas raciais e de gênero. Então, o importante é
mantermos o diálogo e caminharmos lado a lado nessa luta.
Do
seu ponto de vista, qual a importância do surgimento de organizações
como a ABMGEO? A pergunta é porque já ouvimos comentários do gênero
"mas, para quê tantos coletivos, associações para defesa dos direitos
das mulheres no século XXI?"
Os coletivos são, ao meu ver, movimentos que promovem acolhimento aos seus membros, são criadores, fomentadores e divulgadores das demandas e pautas, enquanto as organizações ou entidades, como a ABMGeo, são responsáveis por promover ações que capacitem, instruam e visibilizem (amplificando e difundindo) as demandas existentes, traçando estratégias de apoio que visem resultados estruturais. Ambos são importantes e devem caminhar paralelamente, cada qual exercendo sua função.
Está lendo alguma obra literária neste momento? Qual?
Nenhuma no momento. Mas tenho várias na lista rs.
Como você vê o futuro (próximos 5 anos) para a sua área de atuação?
Eu espero muito que abram novos concursos para professor universitário efetivo, pois meu objetivo é me tornar uma. Pretendo também continuar com meu trabalho de consultoria ambiental e na exploração mineral. Acredito que essas áreas se mantenham em alta até lá.
Gostaria de deixar alguma mensagem para mulheres que estão a iniciar suas carreiras na política ou na carreira científica no Brasil?
Não tenham medo, sejam cientistas ou CEO de empresas, sejam mães, sejam o que quiserem. Cada um tem uma realidade, lute pelo que acredita, sempre respeitando a lutas às quais não são "seu lugar de fala". Se posicione sempre que precisar.
Cada uma de nós é representativa ou inspiradora para alguém, somos o futuro também! Mantenham-se firmes, pois o simples fato de fazermos ciência e estarmos onde quisermos, já é um ato de resistência!
Poderia indicar o link do seu CV, orcid ou portfólio?
A GeoSmart agradece pela Entrevista