Segundo a ONU desde 2017, o diálogo com a sociedade civil é mantido acerca das respostas da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável e da Década Internacional de Afrodescendentes à situação de exclusão das mulheres negras.
Ainda segundo a ONU as mulheres negras no Brasil são 55,6 milhões, chefiam 41,1% das famílias negras e recebem, em média, 58,2% da renda das mulheres brancas, de acordo com os dados de 2015 extraídos do Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça.
Em cada três mulheres presas, duas são negras num total de 37, 8 mil detentas – quantidade que se elevou em 545%, entre 2000 e 2015, de acordo o Infopen Mulher. E entre 2003 a 2013, houve um aumento de 54% no número de assassinatos de mulheres negras enquanto houve redução em 10% na quantidade de assassinatos de mulheres brancas. No quadro diretivo das maiores empresas no Brasil, são apenas 0,4% das executivas – apenas duas num total de 548 executivos e executivas
No ano de 2020, as 11 integrantes do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030 participaram de ação digital, destacando o enfrentamento do racismo e do sexismo como decisivo na resposta do Brasil à pandemia e discutindo as ações necessários para sustentar o recomeço das vidas das mulheres negras no chamado “novo normal”.
“A sociedade brasileira não pode escolher sacrificar as mulheres negras nesse grave quadro de violência e violação dos direitos face ao impacto da pandemia no país. Queremos viver em um país democrático com direitos e dignidade. A solução das crises e da pandemia no Brasil passa pela garantia de vida digna para as mulheres negras”, salienta Lúcia Xavier, da ONG Criola e integrante do Comitê Mulheres Negras Rumo a um Planeta 50-50 em 2030".
Então nada mais oportuno do que exaltamos profissionais mulheres negras sempre, principalmente neste mês de março. Acreditamos que visibilidade é representatividade sim, e desta forma ajudamos a inspirar e encorajar outras profissionais a seguirem suas carreiras diante de tantos desafios.
Você é licenciada/graduada em qual(s) área(s) do conhecimento?e Por que escolheu esta(s) área(s)?Em qual instituição você concluiu sua licenciatura/graduação?
Sou graduada em geologia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro desde 2014 e Mestre em Geociências também pela UERJ desde 2020. Escolhi essa área porque em 2008, no ano em que prestava vestibular, eu cursei Técnico em Meio Ambiente (que também é uma de minhas formações) e na grade do curso tinha a matéria de geologia. Foi quando me apaixonei pela ciência. Fiz pré-vestibular e passei na turma de 2009 da Faculdade de Geologia da UERJ.
Qual(is) o(s) principal(is) projetos da sua trajetória profissional ou académica (ou pessoal) que gostaria de lembrar(poderia descrevê-lo ou partilhar arquivos) ?
No início da pandemia, eu e mais outra mulheres cofundamos o Grupo Yangí
que é uma organização coletiva afrocentrada, formada por estudantes e profissionais negres de geociências. Neste quase dois anos de trajetória divulgamos ciências de pessoas pretas, inspiramos pessoas pretas, estudamos mais sobre nossa história preta. Foi e é lindo! Yangì é um projeto pessoal-profissional. Temos divulgação de conteúdo nas redes sociais, boletim informativo e podcast (Geociência é Coisa de Preto).
Onde você cursou o seu Ensino Médio (Ensino Secundário)?
Cursei em Cordeiro-RJ, na minha cidade natal. Estudei desde a alfabetização em uma das unidades do grupo CNEC que ficava na cidade. Em Cordeiro se chamava Colégio Cenecista Santa Mônica. Hoje não existe mais, mas existem outras unidades escolares e de cursos superiores pelo Brasil.
Ouve alguma playlist enquanto cria/trabalha? Qual?
Ouço sempre música de preto! Reggae, RAP, R&B, Soul, Jazz, Blues, os pretos da MPB (Gil, Djavan, Liniker, Luedji Luna...), Samba... Se for preto, eu estou escutando! No momento que preciso de concentração máxima (ler/entender um artigo, por exemplo) eu preciso de silêncio, mas quando estou trabalhando em um contexto mais 'relax' eu sempre estou escutando alguma coisa no ritmo acima.
Quais os principais autores que costuma ler? Pode indicar 3 autores que lê para a sua atuação profissional e pelo menos 1 que indicaria para ler nos momentos livres?
Não tenho um autor principal, eu leio segundo minha demanda, vontade no momento ou, principalmente, por indicação de alguém.
Na minha vida profissional eu leio qualquer coisa (livros acadêmicos, papers...) relacionada a magmatismo alcalino (petrografia, litogeoquímica, geoquímica isotópica) porque é o que eu trabalho no momento - tema do meu doutorado.
Na minha vida pessoal, como hobby, os três últimos livros que li são: Mulherismo Africana - Recuperando a nós mesmos da Cleonora Hudson-Weems;
Por que Amamos? - O que a filosofia têm a dizer sobre o amor do Renato Nogueira e Candomblé no Brasil - Resistência Negra na Diáspora Africana do Ronan da Silva, Alice Vitória e Ariel Roque. Intercalo essas leituras com alguns de poesia para aliviar a cabeça e não ficar muito em texto filosófico ou político.
Que tipo de impactos positivos acha que a sua área de atuação (no contexto da Geologia) trouxe para sua comunidade (cidade ou País)?
Na cidade ou país ainda não observei, mas dentro da minha comunidade acadêmica eu já observei movimentos importantes. Impacto em forma de inspiração e motivação! Muitas mulheres pretas já me agradeceram, pois de alguma forma eu, e outras amigas negras que estão seguindo os mesmos caminhos que eu, são inspirações para seguir na geologia.
Pois estas mesmas mulheres tinham um sentimento de não pertencimento por estar naquele local que na maioria das vezes é extremamente hostil. Isso é muito potente e lindo. E ao mesmo tempo eu me sinto muito poderosa em ser uma mulher preta, retinta de dreadlocks fazendo doutorado em um curso de exatas em uma das maiores universidade do país.
Qual sua opinião sobre os impactos da pandemia no percurso profissional de jovens investigadoras/cientistas?
Primeiro impacto é a baixa em publicações. Logo no início da pandemia vimos que mulheres estavam publicando bem menos que homens. Agora falando um pouco sobre os impactos na minha vida profissional, eu senti muito o fechamento total e/ou parcial dos laboratórios, pois acarretou vários atrasos nos projetos (não só meu, mas de toda a comunidade).
A dinâmica de não estar na universidade todos os dias interagindo e escudando junto aos colegas de projeto também me deixou um pouco deprimida fazendo com que eu tenha uma baixa de produtividade, mas hoje as coisas estão voltando aos eixos e estou me sentindo bem e o projeto de doutorado fluindo bem também.
Acha que os rumos das reflexões na sua área de investigação em sofreram alguma mudança de abordagem tendo em vista as transformações que estamos passando? Se sim, cite um exemplo.
Reflexões sobre questões raciais? Se sim, acho que estamos vivendo grandes movimentos. Não acho que existam grandes transformações, mas grandes movimentos, sim!
Não é à toa que eu e mais algumas colegas cofundamos o Grupo Yangì concomitante com vários outros grupos de movimento preto sendo criado pelo Brasil. Isto porque existe uma demanda. Vejo que algumas pessoas (não negras) se esforçam para ficar mais a par das pautas raciais e isso é ótimo, mas muita coisa ainda precisa ser mudada, acho que estamos no caminho.
Qual sua principal ferramenta de trabalho?
Meu notebook e os computadores da UERJ. Sem eles eu não sou nada! Meu 'note' onde trabalho todos os dias e os da UERJ onde estão os softwares que eu uso para trabalhar!
O que você diria ao seu eu antes do primeiro confinamento por causa da Pandemia do novo coronavírus?
Calma que vai dar tudo certo. Devagar, mas vai dar tudo certo!
Do ponto de vista profissional, na sua opinião qual foi o seu maior desafio nestes últimos 2 anos?
Lidar com o excesso de informação que chegou e chega até nós nessa pandemia. Tive crises de exaustão mental várias vezes durante esse período.
Qual a leitura que faz sobre os movimentos feministas contemporâneos?
Feminista Contemporâneo, hoje nenhum. Já li algumas coisas a nível de conhecimento, mas hoje não leio nada sobre feminismo. Não sou feminista. A raiz do feminismo é racista, existem expressões feministas atuais racistas e é obvio que o feminismo não chega nem perto de dar conta das questões raciais.
Fico nas leituras com viés racial e não de gênero. Hoje, na minha vida político-social, raça vem antes de gênero. Obviamente que não estou fechando os olhos para as opressões de gênero e nem dizendo que as intituladas feministas negras estão erradas (muitas de minhas inspirações se intitulam assim: Angela Davis, Sueli Carneiro...), mas eu vejo que a emancipação do povo preto, o debate tem que incluir todos (homens e mulheres).
Qual (is) tipo de conteúdo(s) gostaria que fosse mais abordado nas redes sociais que segue?
Hoje eu sigo páginas que me satisfazem em relação a conteúdo. Consumo bastante conteúdo sobre a saúde e bem estar da população negra e algumas páginas também que exaltam e divulgam ciência de gente preta, mas acho que o conteúdo que chega até nós são os que a gente procura, né!? Então, se você consome só política você só vai ver isso e o algoritmo ainda vai te mandar mais. Então eu além de procurar, o algoritmo já me envia esse tipo de conteúdo e eu estou bem com isso. Este tipo de conteúdo me fortalece de alguma forma.
Como você vê o futuro (próximos 5 anos) para a sua área de atuação?
Espero que consiga chegar ou estar próxima das minhas metas profissionais. Não só eu, mas toda a minha comunidade preta. Espero ver mais pretos na universidade sendo coordenadores, chefes de departamento, diretores...
Gostaria de deixar alguma mensagem para mulheres que estão a iniciar suas carreiras em áreas correlatas com a sua?
Uma vez, uma mulher negra, que está no início da graduação me perguntou como eu lido com o racismo dentro da universidade? O racismo estrutural e o 'velado'. Eu respondi que racismo você vai encontrar em todos os lugares.
Até daquele amigo/professor que gosta genuinamente de você, que se intitula progressista e que posta #blacklivesmatter e #marillepresente. O segredo de conseguir viver nesse caos, no meu ponto de vista, é saber usar isso como combustível pra você ser a melhor na sua área. Até que ponto esse caos pode me deixar em uma cama deprimida (porque pode e é muito fácil) ou até que ponto eu vou deixar esse caos se transformar em ações para eu ser uma mulher e profissional de excelência? A resposta e a prática disso não é fácil, pelo contrário.
Estou há anos na terapia pra lidar com isso, mas acredito que esse seja o caminho. Vão ter muitos empecilhos, SIM! Mas certifique-se que sua rede de apoio seja PRETA. Amigos pretos, influências pretas, amores pretos, porque são estes que vão estar lá pra de apoiar quando o mundo estiver te engolindo.
Outras Informações importantes:
Redes Sociais do Geociências Yangì (Grupo Yangì de Geocientistas Negros):
Informações Profissionais:
Conhece alguma mulher negra que admire e queira que divulguemos o seu incrível trabalho? Manda-nos uma mensagem !